Supremo examinará preceito da presunção de inocência
Após o Supremo Tribunal Federal (STF) haver afastado a proibição de progressão de regime nos crimes hediondos em um julgamento acirrado, a Corte se prepara para analisar outra tese que divide opiniões de operadores de Direito: o preceito constitucional da presunção da inocência, ou seja, o condenado só poderá ser preso após sentença final da Justiça.
A discussão é polêmica desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 e segundo o presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), José Carlos Cosenzo, o entendimento que tem sido delineado pelo STF é no sentido de garantir a ordem pública. No entanto para a advogada Heloísa Estelita, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), a regra, como prevê a Constituição, é a de que todo réu deve responder em liberdade.
"Na prática, a norma não tem sido aplicada da maneira prevista na lei e por isso tem sido desrespeitada. Esse tema não precisa de muita discussão. Está na lei", ressalta.
No próximo dia 19, o STF deve julgar quatro habeas corpus em que os advogados dos réus alegam a presunção da inocênia e, por isso, os suspeitos só poderão ser presos após esgotar todas as possibilidades de recursos na Justiça. A tese divide opiniões, pois há os que defendem a liberdade do réu até que se prove a existência de culpa e há os que entendem que o precedente da Corte Suprema poderá aumentar a impunidade, uma vez que advogados poderão utilizar todos os recursos, o que demorará mais tempo para concluir o processo. Segundo especialistas, ao partir do pressuposto de que até o julgamento final do processo penal passarão anos, a possibilidade de o crime prescrever aumenta, e conseqüentemente, o réu, se culpado, deixará de responder pelo crime que cometeu.
Execesso de recursos poderá beneficiar réus de posses
Para o juiz Julier Sebastião da Silva, da 1ª Vara Federal de Mato Grosso, cada caso será analisado de acordo com as circunstâncias. No entanto, o excesso de recursos por parte daqueles que dispõem de dinheiro para assegurar a defesa poderá beneficiar alguns réus. "Não é possível criar uma regra geral. A Constituição assegura ao réu a possibilidade de recorrer em liberdade, mas a legislação penal prevê exceções", explica o magistrado.
O presidente da Conamp acredita que o STF não irá acolher a tese dos advogados dos réus, pois, dependendo do caso, a ordem pública deve prevalecer sobre o direito individual. Caso a tese se confirme, Cosenzo acredita que outros problemas deverão surgir, entre eles a perda do valor das decisões dos Tribunais de Justiça ou dos Tribunais Regionais Federais. Se o réu puder recorrer em liberdade, as sentenças das instâncias inferiores farão apenas parte do processo, não sendo aplicadas de imediato, como acontece em algumas situações. "Os tribunais só serão coadjuvantes. Por isso, é preciso levar em consideração o princípio da razoabilidade. Essas argumentações não são recentes. O Supremo já se deparou com defesas similares", ressalta.
Para a advogada Heloísa Estelita, a regra, conforme a Constituição Federal, é a de que todos respondem em liberdade. Segundo afirma, na prática isso não tem sido respeitado. O que tem ocorrido com certa freqüência é que muitos inocentes têm sido presos e injustiças têm sido cometidas por falta do aparelhamento do Estado e da morosidade judicial. Para ela, a discussão não teria tanta repercussão se o processo penal não levasse tanto tempo para ser concluído.
"A melhor coisa para a sociedade é não ter um inocente preso. Entendo que o Supremo confirmará a tese (presunção da inocência) pois o seu papel é desempenhar o papel de guardião da Constituição Federal e este preceito está sendo desrespeitado", afirma.
Fonte: Jornal do Commercio (Rio de Janeiro)