Porte de armas mais fácil para juízes e promotores
CORREIO BRAZILIENSE
SEGURANÇA
Brecha deixada pelo Estatuto do Desarmamento livra integrantes do Ministério Público e magistrados de passar por testes e pagar taxas
Fabíola Góis
Da equipe do Correio
O Estatuto do Desarmamento, aprovado sob pressão da sociedade, não alcança promotores, procuradores, juízes e desembargadores. Ofício do Departamento de Polícia Federal, assinado em 28 de dezembro de 2004, recomenda aos delegados de todo o país a dispensar os magistrados e integrantes do Ministério Público dos testes psicológicos para aquisição de armas de fogo e do pagamento da taxa de R$ 300 para registro de arma.
A iniciativa é polêmica. O estatuto não prevê tratamento diferenciado a magistrados e membros do MP. Entretanto, eles estariam livres das rigorosas exigências por causa de uma questão de hierarquia das leis.
Segundo a Lei 10.826, sancionada em dezembro de 2003, estão dispensados dos exames psicológicos e práticos os integrantes das Forças Armadas, das policiais federal, civis e militares dos estados e do Distrito Federal (DF). Nenhuma menção é feita a magistrados e membros do MP. As leis complementares que regulam as duas carreiras prevêem porte de arma para eles, mas não detalham quais as exigências para o porte.
Em tese, o Estatuto do Desarmamento deveria regulamentá-las. Mas como isso não foi feito, ficou aberta uma brecha. ‘‘O estatuto é uma lei ordinária, sem poder para reger a atividade de magistrados e membros do Ministério Público’’, argumentou o jurista Luiz Flávio Gomes, ex-delegado, ex-promotor, ex-juiz e professor criminalista da Universidade de Santa Catarina (Unisul).
Coincidência
A portaria da PF foi assinada na mesma semana em que o promotor de Justiça Thales Ferri Schoedl, 26 anos, matou um jovem e feriu outro em São Paulo. No dia 30 de dezembro, Schoedl disparou 12 tiros contra os meninos, alegou legítima defesa e disse que os rapazes faziam parte de um grupo que havia ofendido sua namorada.
A grande discussão é se a liberação do exame para juízes, desembargadores, promotores e procuradores segue os mesmos ideais da sociedade que foi às ruas pedir a diminuição da circulação de armas de fogo no país. Em pouco mais de seis meses, a campanha de desarmamento já recolheu 210 mil armas de fogo em todo o país. As organizações não-governamentais convenceram parlamentares e o governo federal da urgência da campanha com números convincentes. Por ano, morrem em média no país 35 mil pessoas vítimas de arma de fogo.
‘‘Não vou me ater aos aspectos judiciais, mas acredito que a medida da PF não está afinada com o espírito do estatuto. Não foi à toa que a lei foi aprovada’’, afirmou Mariana Montoro, gerente de Mobilização do Instituto Sou da Paz, de São Paulo. Mariana entende a necessidade do porte de armas para integrantes do Judiciário e do MP que são ameaçados de morte e que precisam garantir a própria segurança. ‘‘Mas a lei deveria pelo menos restringir apenas para esses casos.’’
Reivindicações
O delegado Wilson Salles Damázio, que assina o ofício da Polícia Federal, argumenta que magistrados e membros do MP já foram submetidos a testes psicológicos e psicotécnicos quando entraram na carreira. ‘‘E esses testes são até mesmo mais rigorosos do que o aplicado para adquirir uma arma’’, afirmou. Quanto à liberação da taxa, seria o ‘‘Estado pagando ao Estado’’.
Damázio citou que a instituição tem recebido reivindicações para a liberação da taxa e do exame psicológico de associações de magistrados de todo o país. ‘‘Ainda que o Estatuto do Desarmamento não fale sobre os magistrados e membros do MP, essa é uma interpretação do Direito. Não é ilegal’’, apontou.
Juiz do Rio Grande do Sul, Ronaldo Barão explicou que a Lei da Magistratura, a Loman, já autoriza os magistrados a portar armas. ‘‘Se nós precisamos ter equilíbrio para decidir sobre a vida de pessoas, estamos aptos para portar uma arma’’, ponderou. Barão integra a Comissão do Desarmamento na Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).