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"Não haverá democracia sem um Ministério Público independente politicamente e autônomo administrativamente", defende Delmar Pacheco da Luz
Procurador de Justiça jubilado relembra os principais embates que pautaram seus dois mandatos consecutivos como presidente da AMP/RS, de 1996 a 2000
O Ministério Público vivia, em 1996, um momento de relativa tranquilidade no âmbito nacional. A preocupação relacionada à revisão constitucional de 1993, na qual poderia haver uma reversão das prerrogativas institucionais, já havia sido superada com muito trabalho político. Entretanto, o Ministério Público começou, por meio da sua atuação, a incomodar alguns agentes políticos. E, aos poucos, surgiu uma proposta de emenda constitucional tentando mexer no perfil da Instituição e, de alguma forma, fragilizá-la.
Neste cenário, no dia 5 de dezembro de 1996, Delmar Pacheco da Luz, ao assumir a presidência da Associação do Ministério Público do Rio Grande do Sul, proclamou: "Não haverá democracia sem um Ministério Público independente politicamente e autônomo administrativamente". O então promotor de Justiça tomava posse, dando continuidade à gestão anterior, sendo contemplado por 409 votos entre os 411 votantes. No discurso de despedida, Cláudio Barros Silva dirigiu fortes críticas à maneira como se encaminhavam as reformas previdenciária e judiciária, mostrando um dos desafios a serem enfrentados pela gestão que assumia.
Deste modo, no dia 4 de março de 1997, as reformas constitucionais voltaram à pauta. A reforma administrativa não chegou a alterar substancialmente o texto referente ao Ministério Público, como era esperado. A preocupação remanescente dos promotores e procuradores de Justiça, neste campo, era a possibilidade de fixação de subtetos estaduais aos salários. A matéria seria objeto de destaque para votação e estava exigindo atenção da categoria.
Quanto à reforma previdenciária, o relatório resguardou o direito de quem atingiu o tempo de serviço pela legislação vigente. Por sua vez, a previsão de aumento do tempo de contribuição não atingiria as mulheres. Pretendia-se, ainda, aplicar a fixação de idade mínima de 48 anos para a aposentadoria das mulheres e 53 para a aposentadoria dos homens.
A luta por conquistas funcionais, que durante décadas foi vinculada ao empenho pelo fortalecimento institucional, passou a contribuir, também, para o avanço do processo de democratização do País. No entanto, no momento em que o Ministério Público concretizou suas antigas aspirações, tal luta foi associada pelos Poderes Executivos e por setores da imprensa a uma forma de impertinência prejudicial ao projeto reformador do Estado e ao esforço de modernização do País.
Da recuperação salarial
No ano de 1997, conforme ressalta Delmar Pacheco da Luz, “a classe continuava a amargar uma grande defasagem salarial que vinha acumulada dos últimos anos, desde a entrada em vigor do Plano Real, que trouxe consigo a estabilidade de preços e o congelamento dos vencimentos. A situação era extremamente difícil e a classe estava mobilizada na busca da recuperação das perdas que àquela altura já eram significativas”.
O ex-presidente lembra que “em um dos momentos de melhor parceria com a AJURIS, então presidida pelo Dr. Claudio Baldino Maciel, uma figura exemplar, e com o Dr. Sérgio Gilberto Porto, já então como procurador-geral de Justiça, conseguimos a aprovação da lei que criou a Verba de Representação dos membros do Ministério Público e da Magistratura, ativos, inativos e pensionistas (27,5 %) que, com a sanção do governador, foi publicada no dia 31 de dezembro daquele ano (Lei nº 11.070/1997)”.
Para Pacheco da Luz, um dos momentos de maior tensão da tramitação legislativa foi na busca do apoio, até então indefinido, da bancada do PTB, formada por sete deputados liderados pelo deputado Sérgio Zambiasi. “No seu gabinete, juntamente com o Claudio Maciel e o colega Claudio Brito, conseguimos finalmente o apoio que garantia a aprovação do projeto. E a classe pôde respirar aliviada”, rememorou. “Não escapamos da crítica de parte da mídia que sempre considerou qualquer correção da nossa remuneração inoportuna. Foi naquela época, é hoje e será sempre assim. Por isso, também neste ponto a gente precisa estar fechado com a entidade de classe”, defende. Posteriormente, por meio da Lei nº 11.326/1999, foi obtida a plena recuperação dos vencimentos com o aumento da Verba de Representação para 37,5 %, retroativo a 1º de março de 1998.
A Mesa Redonda da Associação
Segundo o ex-presidente, uma história que vale a pena conhecer daquele período associativo se passou na sede campestre. “Antes que se pudesse chegar ao Projeto de Lei Nº 241, relativo à Verba de Representação dos membros do Ministério Público e da Magistratura, houve uma ampla negociação envolvendo o governador do Estado, o presidente do Tribunal de Justiça e o presidente da Assembleia Legislativa, graças à iniciativa e à articulação do procurador-geral de Justiça, Sérgio Gilberto Porto. A Instituição, pela primeira vez, se sentaria ao lado dos Três Poderes do Estado para uma negociação deste nível”, recorda.
A Associação, juntamente com o procurador-geral de Justiça e o diretor da sede campestre, Antônio Carlos Hornung, ofereceu o espaço para um jantar reservado entre os quatro, no qual seria realizada a reunião conclusiva. “Aceitos os convites, nos deparamos com a questão do protocolo: era conveniente não estabelecer prioridades à mesa. A solução foi uma mesa redonda, em que as quatro autoridades se sentariam, como diríamos hoje, democraticamente”, explica o ex-presidente. “E lá se foi o Hornung, às vésperas do jantar, providenciar uma mesa redonda, que ainda hoje deve estar lá na sede. Ao final, saiu a tão esperada solução”, relembra.
As relações associativas e institucionais com a Assembleia Legislativa e com o próprio Palácio Piratini entraram em uma nova fase com a superação da tentativa de criação do subteto estadual e com a abertura do caminho para o crescimento da participação do Ministério Público no Orçamento Estadual, o que viria a possibilitar a evolução da Instituição como prestadora de serviço essencial à sociedade gaúcha.
Completando a equiparação da carreira à Magistratura
Outra vitória muito importante, recorda Delmar Pacheco da Luz, foi a aprovação pela Assembleia Legislativa do Projeto de Lei Nº 325, que equiparou os vencimentos dos procuradores de Justiça aos dos desembargadores. “Ocorre que, até então, apenas o procurador-geral de Justiça era equiparado aos desembargadores; enquanto os procuradores de Justiça ganhavam 5% menos, sendo equiparados aos Juízes de Alçada. Com a extinção do Tribunal de Alçada em 1997, o projeto propunha a equiparação dos procuradores aos desembargadores e a consequente elevação de seus vencimentos. O projeto foi incluído na convocação extraordinária e coube à Associação negociar a sua aprovação na Assembleia”, enfatizou o ex-presidente.
Com o apoio dos deputados Paulo Vidal e Vieira da Cunha, foi obtida a aprovação do projeto na última sessão do ano legislativo, no dia 29 de dezembro. A Lei Nº 11.107/1998 foi sancionada pelo governador do Estado e publicada no dia 22 de janeiro de 1998. “Estava completa a equiparação da carreira”, orgulha-se Delmar Pacheco da Luz.
A aquisição da atual sede administrativa
Em 1997, a sede administrativa da Associação estava localizada na rua Andrade Neves, no Centro de Porto Alegre, no 6º andar do prédio da Procuradoria Geral de Justiça. Nesta ocasião, o espaço já se mostrava acanhado para atender às necessidades da entidade, que crescera com a criação da Superintendência de Assistência à Saúde e da Mútua. “Foi quando surgiu a oportunidade de aquisição do atual edifício-sede da AMP/RS, o que envolvia uma difícil engenharia financeira e política, seja pela necessidade de dispor de ativos até então imobilizados, seja por envolver outros entes classistas, além do contrato se prolongar no tempo indo além do mandato vigente”, relembra Delmar Pacheco da Luz.
“A AMP/RS teria que vender a sua participação em um terreno que possuía juntamente com a Fundação Escola Superior do Ministério Público, localizado na rua Washington Luiz, e o 6º andar da Rua Andrade Neves, que era o patrimônio até então acumulado. Foi decisivo o apoio da Escola, dirigida pelo colega Miguel Bandeira Pereira”, destacou.
O procurador de Justiça jubilado enfatiza o volume da transação. “Para se ter uma ideia do vulto do negócio, mesmo com a recondução da Diretoria para um segundo mandato, as últimas prestações foram pagas pela gestão seguinte. Havia ainda duas salas que haviam sido vendidas antes da negociação com a AMP/RS e que só foram adquiridas na administração do colega Carlos Otaviano Brenner de Moraes”, explica.
Com oito andares, o edifício localizado na avenida Aureliano de Figueiredo Pinto, nº 501, fica na região onde, à época, já estavam a Justiça Militar Estadual e o antigo Foro Central. Vinte e dois anos depois, nas redondezas estão o Tribunal de Justiça, a Procuradoria-Geral de Justiça, o Foro Cível e praticamente todos os órgãos ligados ao serviço judiciário, como setores da Defensoria Pública e OAB.
Inaugurado no dia 18 de dezembro de 1998, após as necessárias obras de adaptação, o imóvel, além de acolher o setor administrativo da AMP/RS, dispõe de uma área social, atendimento aos associados, os flats e espaço para a Fundação de Assistência à Saúde (FAS) e a Cooperativa de Crédito (Sicredi MP) com acesso facilitado ao associado.
Segundo o ex-presidente Delmar, “o prédio vem sendo melhorado ao longo das diversas administrações e só agora, nas gestões dos colegas Martha e João Ricardo, chega à plena utilização de todos os espaços disponíveis”.
O segundo mandato
No dia 4 de dezembro, em um ato realizado na sede campestre, Delmar Pacheco da Luz foi reconduzido ao cargo. Eleita para o mandato 1999-2000, a nova Diretoria Executiva recebeu a validação de 443 votos dos mais de 600 eleitores. Em março de 1999, realizaram-se eleições para a escolha do novo procurador-geral de Justiça. Mesmo sem encabeçar a lista tríplice, Cláudio Barros Silva foi nomeado pelo governador Olívio Dutra.
O ano de 1999 marcou a criação e instalação da Cooperativa de Crédito da classe – a Sicredi MP. “A colaboração de alguns colegas foi fundamental para que a tarefa chegasse a bom termo. Destaco Antonio Carlos Bastos, Edgard Tweedie, Luiz Pedro Leite, na época, e os que presidiram a entidade até aqui, Freitas Lima, Paulo Emílio e Agenor Casaril. Hoje, desenha-se uma nova Sicredi, mais aberta, dentro do perfil que o sistema exige”, diz.
Além de marcar as lutas diretamente relacionadas à AMP/RS, o período foi caracterizado por embates nacionais em que o Ministério Público foi alvo de projetos prejudiciais às suas prerrogativas. “Fomos presença diuturna no Congresso Nacional na defesa das prerrogativas funcionais e dos interesses sociais. Na luta contra a Lei da Mordaça, que queria calar os membros do Ministério Público e na defesa da Carreira da Instituição. Sempre estivemos ao lado da CONAMP, que efetivamente fazia a defesa institucional no Congresso”, destaca Delmar Pacheco da Luz. Além disso, a AMP/RS, juntamente com as associações do Rio de Janeiro e Santa Catarina, trabalhou nas propostas de reforma dos Códigos Penal e de Processo Penal, apresentando sugestões e, especialmente, evitando a aprovação desses projetos. “Os colegas José Fernando Gonzales, David Medina, Silvio Munhoz e Alex Cruz (SC) foram incansáveis nesse trabalho”, relembra. Segundo Delmar, “a AMP/RS esteve sempre na Assembleia Legislativa, quando os interesses Institucionais estavam em jogo”, como no projeto de Lei Orgânica do Ministério Público Estadual.
Para Delmar Pacheco, o trabalho bem desempenhado pela presidência é oriundo de união de esforços de todos os membros da diretoria que o acompanham. “Quero destacar que este não é um trabalho individual, este é sempre um trabalho coletivo, realizado por toda a diretoria, e a rigor aqui deveria constar o nome de todos os seus membros, que dividiram angústias e preocupações, e arcaram com as mesmas responsabilidades pelo fracasso ou pelo sucesso das iniciativas. Sou muito agradecido a todos”, orgulha-se.
Após dois mandatos consecutivos como presidente da AMP/RS, em dezembro do ano 2000, Delmar Pacheco da Luz transmitia o cargo para Ivory Coelho Neto. E, exatos 19 anos mais tarde, foi homenageado por amigos e colegas do Ministério Público, juntamente com Paulo Emilio J. Barbosa, marcando o encerramento de suas atividades como procurador de Justiça. Após 33 anos de dedicação à Instituição, Delmar declarou já estar preparado para a despedida, mas que continuaria envolvido com a prática associativa. “Deixei o trabalho funcional, mas tenho em mente que sempre estarei muito próximo dos colegas por meio da Associação e de todas as atividades que participo e que envolvem a classe”, garantiu. Aos 72 anos, ele segue no meio associativo ativamente como presidente do Conselho Deliberativo da Fundação de Assistência à Saúde (FAS) da entidade, vice-presidente da Sicredi MP e membro do Conselho Deliberativo da Escola Superior do Ministério Público.
Produzida pelo setor de Comunicação, a série "Presidente da Semana" resgata a memória da Associação do Ministério Público do Rio Grande do Sul (AMP/RS) por meio do depoimento dos promotores e procuradores de Justiça que ocuparam a Presidência da entidade ao longo de seus quase 80 anos de história. A série é publicada desde fevereiro de 2021, sempre às sextas-feiras, no site da Associação.
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