Foro sem desaforo
O instituto do foro privilegiado, pelo qual parlamentares só podem ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), não deveria em absoluto ser sinônimo de impunidade. Muito pelo contrário, o desaforamento deveria até acelerar a conclusão de eventuais processos, uma vez que, contra a decisão da corte máxima, não cabe recurso.
Na prática, entretanto, pelo menos no que diz respeito a congressistas, estar sob jurisdição do Supremo equivale quase a uma licença para delinqüir. Como mostrou levantamento realizado por esta Folha, de 82 pedidos para abertura de inquérito contra parlamentares encaminhados desde 1995 pela Procuradoria Geral da República ao STF, 38 foram arquivados, 17 voltaram para a primeira instância porque o político em questão renunciou ou não foi reeleito e 27 ainda tramitam.
Mesmo num caso rumoroso como o dos 40 acusados pelo Ministério Público no escândalo do mensalão, as perspectivas não parecem mais animadoras. O ministro Joaquim Barbosa, que recebeu a denúncia do procurador-geral, já alertou que levará um ano para decidir se abre ou não o processo.
É comum ouvir, nos meios jurídicos, a afirmação de que o Supremo não tem estrutura nem vocação para processar políticos. Essa é uma meia verdade. A estrutura com que conta um ministro do STF é, como não poderia deixar de ser, melhor que a colocada à disposição de quaisquer outros magistrados.
Quanto à vocação, esta se cria. Se é importante para os rumos da República que representantes dos cidadãos acusados de saqueá-la sejam celeremente julgados pela instância máxima da Justiça, cabe ao STF fazê-lo.
Uma possível explicação para a morosidade do Supremo está na própria Constituição do país. Até 2001, era a própria Carta que criava empecilhos à abertura de processos criminais contra integrantes do Congresso Nacional. Era preciso que a Casa de origem do parlamentar autorizasse o início da ação. Mas, com a promulgação da emenda constitucional nº 35, tudo isso acabou.
Deputados e senadores conservam o foro especial no STF, mas este pode processá-los como quiser, bastando dar ciência do fato à respectiva Casa, a qual, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá sustar o andamento da ação. No caso de crimes cometidos antes da diplomação do parlamentar, não há nem mesmo a possibilidade suspender o processo.
A alteração constitucional representa, sem sombra de dúvida, um aperfeiçoamento moralizador. Entretanto, a fim de que o avanço ganhe existência concreta para além da letra da lei, é necessário que os mais importantes magistrados do país façam a sua parte e, processando e julgando parlamentares, provem que o foro privilegiado não é sinônimo de impunidade.
Fonte: Folha de São Paulo