Debate sobre a redução da maioridade <br> penal divide opinião dos especialistas
O desejo de Lenice Caffé, mãe de Felipe, era que o menor que matou e estuprou Liana ficasse anos atrás das grades e não fosse beneficiado pelo fato de ter 16 anos na época do crime. O pai da estudante, Ari Friedenbach, até começou a fazer uma campanha pela redução da maioridade penal logo após o crime, mas desistiu. Diz que agora percebe que a redução não adiantaria e que um menor infrator deve ser responsabilizado, mas com a chance de se recuperar.
O debate sobre os prós e contras da questão, porém, continua. Para o jurista e professor da Universidade de São Paulo Dalmo Dallari, a redução é absurda porque a maioridade pressupõe o pleno desenvolvimento físico e psíquico do jovem e que a idade definida é razoável. "Podemos até ter um ou outro caso de amadurecimento precoce, mas não podemos fazer a lei pela exceção."
A diretora-executiva do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção e Tratamento do Delinqüente, Karina Sposat, reconhece que o caso de Liana e Felipe faz parte das exceções, mas é contra a redução. "A política de prevenção do delito não pode se pautar em casos excepcionais", diz. "Além disso, fizemos uma pesquisa que mostrou que apenas 1,4% dos jovens acusados em São Paulo praticaram homicídio. A maioria tem acusação de roubo e furto. O adolescente tem que ser punido, responsabilizado, mas não adianta colocá-lo em uma prisão com adultos. É uma visão simplista demais para o problema."
Já a advogada Rosana Chiavassa defende a redução. Diz que hoje as crianças e jovens têm mais discernimento para saber o que é certo ou errado. "Quando o Código Penal foi feito, nos idos de 1940, o mundo era outro. Naquela época não havia informação para que jovens adquirissem malícia." A globalização e a internet, explica, propiciaram esse acesso à informação.
"Hoje você não pode dizer que o adolescente não tem conhecimento suficiente para discernir o que é certo e o que é errado. Eles têm, até, consciência de sua impunidade." Para ela, o debate não pode ser pautado por questões práticas como a deficiência no sistema prisional. "Ele deve ser orientado por princípios jurídicos puros."
O psiquiatra do Hospital das Clínicas Arthur Kaufman também defende a redução da maioridade com o argumento de que os adolescentes atuais são mais desenvolvidos do que há algumas décadas. "A ingenuidade não é a mesma. Com 14, 16 anos, eles sabem o que estão fazendo, o que é certo e errado. Até com menos idade."
Para ele, melhor do que reduzir a maioridade, seria responsabilizar o menor pelo crime praticado de acordo com sua consciência do ato.
A tragédia
No dia 31 de outubro de 2003, uma sexta-feira, o casal de namorados Liana Friedenbach, 16 anos, e Felipe Silva Caffé, 19, saíram para acampar sem que seus pais soubessem. Ela disse à família que sairia com alguns amigos. Os pais da garota desconfiaram quando Liana não voltou para casa no domingo, 2 de novembro.
Avisada do sumiço do casal, a polícia descobriu que os jovens foram vistos em Embu-Guaçu. Cerca de 200 policiais realizaram buscas pela região que duraram mais de uma semana. Os corpos dos dois foram localizados após a prisão de um menor, identificado como Champinha, que admitiu ter participado do crime. Felipe foi morto com um tiro na nuca e seu corpo estava num córrego. Antes de ser morta com 15 facadas, Liana ficou quatro dias em poder dos criminosos e sofreu abuso sexual.
Fonte: Jornal Folha de São Paulo