Crack, sofrimento epidêmico, por Carlos Alexandre Netto*
Há uma verdadeira epidemia de abuso do crack no país. Mas, diferente das doenças infecciosas, em que é possível isolar e combater o agente causador, a dependência química é difícil de ser tratada, pois a doença transforma o cérebro dos usuários.
Alterar o estado de consciência não é invenção da modernidade – soluções mágicas para afastar o sofrimento e fugir da realidade eram empregadas em rituais de muitas civilizações antigas. Os sumérios, no terceiro milênio a.C., já possuíam um ideograma para a “planta da felicidade”, a papoula, da qual se extrai o ópio.
Recente, porém, é o conhecimento da química cerebral e do sistema de recompensa, um grupo de células responsável pela sensação de prazer e gratificação de comportamentos consumatórios, como a ingestão de alimentos e o sexo. As drogas de abuso, como a cocaína e o crack, causam forte ativação deste sistema e produzem sensação de grande satisfação; uma viagem química e imediata ao “mundo da felicidade”. Viagem que custa caro, pois a volta à realidade fica cada vez mais dolorosa e difícil de suportar.
Mas se a humanidade convive há tanto tempo com substâncias que causam dependência, o que faz com que o abuso de crack tenha atingido proporções tão alarmantes? Primeiro, o fato de ser fumada faz com que a droga tenha uma superfície enorme de absorção; em conse- quência, mais de 90% atinge o cérebro.
Com isto, o estabelecimento da dependência é muito rápido e pode ocorrer na primeira utilização. Outro fator significativo é o “comercial”: o crack é barato, acessível a qualquer pessoa. Diferente de outras substâncias ilícitas, como a cocaína, e mesmo as lícitas, como as bebidas alcoólicas e o cigarro, o crack é acessível a qualquer pessoa. Apesar de o lucro ser menor, o traficante ganha no volume de comercialização. A desagregação das famílias, a onda de violência e as condições degradantes dos usuários são hoje motivo de preocupação de toda a sociedade.
Combater essa doença exige um esforço articulado. O poder público, o Judiciário, os serviços de saúde e a sociedade organizada são atores fundamentais nesta missão. O 1º Congresso Internacional sobre o Crack e outras Drogas, iniciativa pioneira da Associação do Ministério Público e da UFRGS, com apoio da RBS, propõe a discussão de estratégias de prevenção, tratamento e redução. Entender e elaborar esses aspectos e sugerir políticas públicas são os objetivos dos mais de mil participantes; uma contribuição relevante para tentar estancar esta epidemia de sofrimento que assola jovens, suas famílias e toda a sociedade.
*Reitor da UFRGS
Fonte: Zero Hora, 05 de julho de 2010