Brasília julga um caso inédito de racismo
O processo do primeiro brasileiro acusado de crime de racismo via internet será retomado no início de agosto. A 6ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) marcou para o dia 9 de agosto o interrogatório do estudante Marcelo Valle Silveira Mello, 20 anos. O julgamento estava suspenso havia sete meses, desde que os advogados de defesa do réu entraram com pedido de exame da sanidade mental do cliente.
O laudo psiquiátrico - realizado pelo Instituto de Medicina Legal (IML) - concluiu que o acusado tem condições físicas e psíquicas para enfrentar um processo judicial e ser julgado por um crime. O resultado da perícia médico-legal, no entanto, ainda não foi divulgado oficialmente pelo promotor Marcos Antônio Julião, do Núcleo de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), responsável pela acusação. Juristas anteciparam à imprensa que se o réu não fosse considerado são, o juiz poderia determinar o fim do processo e decidir pela interdição (ou não) dele numa clínica especializada.
Ao seguir normalmente, o julgamento pode terminar com a condenação de Marcelo. Ele é aluno regular do curso de letras da Universidade de Brasília (UnB). E acabou acusado de disseminar idéias racistas e agredir negros e afrodescendentes no Orkut (site de relacionamento via internet com hospedador nos Estados Unidos). O jovem os tratou com termos como “sujos” e “macacos” durante discussões em espaço virtual criado para debater as cotas na UnB. Outros críticos ao sistema adotado no Distrito Federal também deram opiniões, mas evitaram expressões preconceituosas.
O Ministério Público de São Paulo (MPSP) recebeu a denúncia contra Marcelo no início de 2005. Em menos de seis meses, o acusado sofreu investigação dos promotores locais, o caso virou inquérito até ser encaminhado ao MPDFT em agosto do mesmo ano. Em Brasília, os cumprimentos de mandados de busca e apreensão em dois apartamentos de familiares do estudante resultaram em provas para o crime de racismo. O material foi retirado de arquivos de computadores por agentes da Polícia Civil do DF.
Marcelo acabou denunciado pelo MPDFT. O primeiro interrogatório foi marcado para janeiro deste ano. Mas um exame de sanidade mental pedido pelos advogados Pedro Raphael Fonseca e João Paulo Baumotte adiou o julgamento até agosto deste ano. O Correio não encontrou nenhum dos dois representantes do réu para comentar o caso. Segundo uma secretária, Fonseca participa de reuniões fora de Brasília até hoje. Já Baumotte entrou em recesso e só volta a trabalhar na segunda-feira. Em entrevista dada ao jornal em junho, ele afirmou que o cliente não daria declarações até o fim do processo.
Efeito mídia
O futuro do estudante da UnB tem sido acompanhado por entidades de combate ao racismo do país. Uma delas é a organização não-governamental ABC sem Racismo, de São Paulo. A entidade foi responsável pela divulgação do nome completo do acusado pela agência de notícias virtual Afropress. A denúncia valeu sucessivos ataques de hackers no domínio da ONG. A última invasão ocorreu na semana passada, quando o atual provedor retirou o site do ar por 24h. O presidente da ONG, Dojival Vieira, também jornalista e responsável pela agência, não tem certeza da participação de Marcelo no boicote virtual. Mas uma delegacia de crimes raciais vinculada à Secretaria de Segurança Pública de SP investiga o problema.
Vieira deverá vir mais uma vez a Brasília para acompanhar o interrogatório de Marcelo. Para ele, o desfecho do caso inédito no Brasil terá repercussões nacional e mundial. “É uma situação emblemática. A internet criou a ilusão de que as pessoas podem cometer crimes impunemente. Mas só ter uma pessoa sentada no banco dos réus por causa de agressões racistas via Orkut já mostra que não é bem assim”, avaliou.
Sanidade confirmada
Palavras como “macacos” e “sujos” e frases do tipo “Preto tem que morrer mesmo” levaram o estudante Marcelo Valle