Confira a íntegra do discurso de posse do novo presidente da AMP/RS, Fernando Andrade Alves
Parece claro que a vida é feita de oportunidades e escolhas. A vida no Ministério Público tem sido, para mim, ao mesmo tempo, uma oportunidade e uma escolha. Uma oportunidade de aprendizado constante. Uma escolha que se renova todos os dias.
Parece também muito claro que vivemos tempos difíceis para a instituição e seus integrantes. Passamos por um acúmulo de atribuições e trabalho incessante, gerado pela virtualização da vida, dos processos e dos conflitos, amplificado pela insuficiência dos nossos quadros. A defasagem dos subsídios e a dificuldade impressionante de implantarmos alternativas consolidadas em todo o Brasil, evidentemente, nos entristecem.
Nesse cenário, a paciência diminui, os conflitos eclodem, as relações pessoais e o contato real perdem espaço. Temos menos vontade de conviver e de tentar entender o outro. A empatia é um valor que se esvai.
A Associação do Ministério Público assume, então, papel imprescindível para a manutenção do espírito de classe, para o necessário reforço da ideia de grupo. Somos um grupo representativo da sociedade que formamos e queremos formar.
Yuval Harari nos ensina, a propósito, que o sapiens, percebendo suas fragilidades individuais, presa fácil na cadeia alimentar, somente se tornou a espécie dominante na Terra a partir da compreensão de que era necessária a cooperação para o enfrentamento dos inimigos comuns. A AMPRS adota muito bem essa cartilha.
Essa missão de cooperação aprendemos a desenvolver uns com os outros, os mais novos com os mais experientes, nessa corrida de bastão, com obstáculos móveis que venho enfrentando há 10 anos. Aprendi com o Marcelo Dornelles, presidente que admirei por sua criatividade no início da carreira; com o Victor Hugo, a quem auxiliei na condição de coordenador de núcleo ao chegar no Litoral, em 2014, e vi chegar à presidência da Conamp. Aprendi com o Sérgio Harris, que me tirou da multidão para ser seu tesoureiro, em 2016, ensinando-me que coragem, meu irmão; com a Martha Beltrame, que me alçou à condição de vice-presidente, em 2018, e me delegou a função de elaboração de estudos e pleitos associativos perante a Administração do MP (desde então, não parei mais… um ou outro não foi feito por mim).
E… nos últimos 4 anos, servi nossa classe ao lado do João Ricardo, que me permitiu me desenvolver como ser humano em meio a grandes crises pelas quais passamos e a tantos projetos executados. Chegamos à presidência da União Gaúcha e da FACE! Seguimos juntos, meu amigo! Acostumamos a te ver agindo e liderando, entregando, fazendo parecer fácil, como só os grandes nomes da história. Com certeza, meus amigos, tivemos uma dádiva de Deus por compartilhar a existência com o João Ricardo.
Mas também aprendi com a vida e seus tombos. O caminho trilhado através do concurso público, como Fiscal de Trânsito aos 18 anos, agente administrativo e Assessor Jurídico do Ministério Público, bem como Procurador do Estado do RS, me prepararam para a carreira que ousei sonhar.
Sim, parecia ousadia sonhar com essa carreira. Tornou-se honra e orgulho plenos. Nossa turma do 45º concurso entrou após 7 anos sem novos ingressos. Era a primeira turma após a reforma que exigiu 3 anos de atividade jurídica, o que já nos demandava maturidade, ou como lembrou o Gallichio em nosso discurso de posse: não havia amadores entre nós. Perdemos o amado Rafael Schneider Azeredo com menos de um ano de posse… choramos e nos fortalecemos como time. Ele estaria aqui, junto ou até no meu lugar. Nossa geração chega com o compromisso de não ser esquecida; misturamos àqueles que nos antecederam e que nos acolheram, e agora, estamos agregando as turmas de 2014, 2016, 2019, 2023 e 2024. Não temos, portanto, o direito de falhar.
Na carreira, passei pelo frio de Caçapava do Sul, pelo júri de São Borja, pelos assentamentos rurais de São Gabriel. Tantas histórias! Cheguei ao Júri de Tramandaí e acumulei o de Osório. Mas cumpri mesmo a missão do homem só no júri de Passo Fundo; lá me reconheci na solidão e me transformei como homem que já tinha passado pela metade da existência e não mais tinha tempo a perder. Cheguei ao Júri de Porto Alegre, como quem chega ao território de lendas e guerreiros sem armadura. Que carreira poderia oferecer tantas oportunidades ao guri do Canela, que cresceu no Alegrete e, depois, no Bairro Partenon?
Em cada lugar, risos largos com amigos que fiz e carreguei comigo no peito ao partir. Amigos que tornaram os dias difíceis mais leves e hoje estão aqui vibrando comigo.
Nesse caminho, minha família não me faltou. Obrigado a todos.
Nossos colaboradores da AMPRS, agradeço pelo empenho no meu desenvolvimento pessoal. Agradeço em nome da Dona Reni, que há 33 anos conhece cada um pelo nome. Agradeço a todos pela paciência com a minha intensidade e a minha bagunça, sempre organizada.
O meu time! O nosso grupo que ora se forma e se entrega a essa missão coletiva de manter o equilíbrio, a sobriedade e a seriedade de nossa associação, buscando dar suas contribuições para que a entreguemos melhor a quem nos suceder. Somos, sim, indignados e temos convicção de que é possível fazer sempre mais. Nossa posição remuneratória no cenário nacional irrita.
Ao Henrique, agradeço pela resiliência diante da pressão e dos desafios, pela parceria e confiança incondicional.
Luciana, pelo foco em apresentar resultados e entregas, pela generosidade de me ver como líder há muito tempo e por ter me dito anos atrás que voltaria para ser minha vice. Estamos de volta.
Reginaldo, por ter escolhido ser meu amigo desde nossa primeira conversa. Por ter me sacaneado junto com o Antônio Kepes com a indicação ao cargo de coordenador do Núcleo do Litoral… mas, sobretudo, por estar sempre disponível para falar por horas sobre assuntos jurídicos e, principalmente, não jurídicos.
Karine, por sua capacidade resolutiva, pela amizade dedicada de mais de 15 anos, desde que ainda estávamos assessorando em Farroupilha, discutíamos ingenuamente os rumos da instituição a que servíamos; pela energia contagiante e interminável, pelas ações generosas, pelo olhar e ouvido atentos; por aproximar nossas turmas de 2011 e 2014 e agregar todos os que vêm chegando depois de nós à família MP; por acreditar, mesmo antes de mim, que poderíamos liderar a AMPRS. Agora, vamos fazer acontecer!
Júlia Martins, pelo equilíbrio oferecido ao grupo, pela grandiosidade de, tendo tanta história de realizações com grandes lideranças, mostrar-se disponível a construir mais essa página na história da nossa associação!
Guacira, pela experiência, pela entrega e pela franqueza de sempre. Pela amizade sincera e disponível. Pela confiança de dividirmos a missão de acolher as diferenças geracionais da nossa carreira, sempre buscando a igualdade entre ativos e jubilados.
Mas não é só…
André Coelho, pela generosidade de se antecipar a qualquer discussão e afirmar que nosso grupo teria um só candidato, que esse candidato seria eu e que me apoiaria.
Cláudio Barros, por passar de ídolo a meu amigo e confidente. Pelo exemplo de entrega ao MP, com todos os custos pessoais daí decorrentes.
Roberto Bandeira, por ter generosamente me acolhido e apoiado nos momentos de dificuldade e tensão em que mais precisei.
Maria Cristina, Bill e Felipe Teixeira Neto, vice-presidentes de fato, sempre disponíveis aos chamados.
Ledur, consultor de todas as horas, amigo leal e disponível. Por ter tornado épica minha passagem em Passo Fundo. Pela entrega de um convívio fraterno.
Antonio Kepes, irmão de longa data, confidente e parceiro, mas só quando está afim e quer responder mensagem sem reclamar.
Sávio, que me acolheu no litoral e desde sempre dedicou tempo a cafés e longas conversas sem hora para acabar.
À FMP e aos diretores Fábio, Luciano e Mauro, pela meia bolsa concedida no meu preparatório pelas mãos do Lipp.
Ao amigo Alexandre Saltz, hoje Procurador-Geral de Justiça, pelo cuidado com os seus, por ter me alertado que a pandemia não duraria 15 dias e me convencido a voltar ao Brasil em meio àquele caos.
Nosso Núcleo de Inovação e Tecnologia, nas pessoas de Júlia Schutt, Márcio Cunha e Roberto Alvim, pelo desprendimento e ágil trabalho. Steven Johnson, professor de Harvard, nos ensinou, quando aqui esteve no Fronteiras do Pensamento, que a inovação não vem de geração espontânea ou simples acender de lâmpada em uma mente brilhante, mas deve ser incentivada e ter um ambiente organizado para proporcioná-la. Agradeço pela generosidade em acreditar na AMPRS como esse espaço de debate de ideias em direção à inovação.
Nosso brioso Conselho de Representantes: Vieira da Cunha, Miguel Bandeira, Victor Hugo, Márcia Villanova, Fernando Sgarbossa, Lisiane Villagrande, Raynner Sales de Meira e Frederico Lang.
Esse time ainda recebe o reforço da nossa fiel Secretaria Geral, Maria Cristina Moreira de Oliveira; das diretorias de esportes, com o Biteco e a Ângela; memorial, com a Maria Ignez; pensionistas, Maria Alice; Mulheres, Simone e Carla Fros; mútua, Rigoni; assessoria legislativa, com o Seelig e o Álvaro Poglia; revista, Michael; Sicredi, Paulo; FAS, Bonatto; Rigoni na Mútua; Hornung e Montanari nos cuidados com nossa sede campestre.
Então, meus amigos, vamos à luta a que nos oferecemos servir, sabedores de que a política de boa vizinhança que funciona em outros estados não tem os mesmos resultados por aqui. Somos um estado forjado a ponta de lança e patas de cavalo, na força das guerras que primeiro nos uniram contra a tirania de um império que nos retirava riquezas, mas depois nos separaram em cores que até hoje são a marca e influenciam nossa política. Sabedores disso, conduziremos nossa associação com equilíbrio, mas faremos a defesa intransigente de nossos espaços e de nossa relevância no debate público local e nacional.
Isso porque, nos versos do Grito dos Livres, do colega, poeta e hoje amigo José Fernando Gonzales:
Enquanto o gaúcho for visto no pampa
Enquanto essa raça teimar em viver
O grito dos livres ecoará nesses montes
Buscando horizontes libertos na paz
O Grito dos Livres - José Fernando Gonzales
Mas também não esqueceremos de buscar desenvolver um ambiente fraterno entre Promotores e Procuradores, entre Promotores e Servidores do MP.
A Carreira do MP se notabilizou por acolher mentes brilhantes, pessoas vocacionadas, com energia para queimar em favor do bem comum. Essas pessoas poderiam empreender, alguns dedicar-se à política, poderiam migrar para outro estado ou país, mas ficaram e estão entre nós, por opção, dedicando-se ano após ano, naquilo que nos cabe, a melhorar as condições de vida para a população gaúcha.
Ocorre que as promessas da constituição, que tanto nos esforçamos para tirar do papel, vêm sendo constantemente sonegadas a quem nelas acreditou e entregou seus melhores anos ao Ministério Público.
Falo de uma autonomia financeira da instituição, há muito mitigada pela míngua do orçamento.
Falo de uma Previdência extinta, que nos segmentou perigosamente.
Falo do alcance investigativo reduzido, com anulações artificiais e reformas legislativas movidas por vingança (improbidade, abuso de autoridade).
Falo do aumento expressivo do volume de trabalho que consome nossas horas finitas com atribuições com menor relevância e interesse social, levando embora nossa saúde física e mental.
Falo de uma valorização intergeracional, de igualdade entre ativos e jubilados, de acolhimento das nossas pensionistas e de fortalecimento daquilo que nos une, o amor pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul e pela família que formamos. Teremos.
Não teremos, obviamente, todas as respostas, nem teremos tempos fáceis. Somos um time justamente para ampliar as chances de acertar, atentos aos aprendizados de cada um com o passado, mas também com muita dedicação ao presente e foco no futuro. Contamos com cada um de vocês para buscar, humildemente, aquelas saídas que não encontrarmos.
Amigos… na minha tribuna, citei uma frase de Nietzsche que agora se faz presente: “A vida é mais dura perto do topo.” Realmente é.
Vamos celebrar vivamente o dia de hoje, nosso jantar na catedral, à altura da grandeza de uma classe responsável por tantas entregas, quebrando o desencanto da sexta-feira 13, mas sabedores de que teremos dias muito duros e de que deveremos ser firmes para bem representar a todos!
Vamos juntos!