Saúde Preventiva
Confira o artigo do promotor de Justiça Mauro Luís Silva de Souza sobre saúde preventiva publicado nesta terça-feira (23/1) no jornal Zero Hora.
Na discussão da crise dos hospitais, alguns itens vêm sendo esquecidos. O novo modelo constitucional de atenção à saúde inaugurado em 1988, resultado da luta de décadas do Movimento de Reforma Sanitária, e que se vem implantando nos últimos 15 anos, não combina com o sistema de assistência médico-hospitalar ainda existente no Estado.
O artigo 196 da Constituição diz ser a saúde "direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas econômicas e sociais que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações para sua promoção, proteção e recuperação". E o Artigo 198, inciso II, arremata dizendo que o "atendimento é integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais"; ou seja, a tônica do sistema público de saúde é a prevenção.
A crise começa há 15 anos, na implantação do SUS e mudança do modelo de atenção, que deixa de ter o hospital como centro, e se agrava na medida em que as ações básicas de saúde vão sendo implantadas. Num documento enviado pela Fessers, se diz que "com os investimentos em saúde preventiva, muitos hospitais tiveram queda na taxa de ocupação; o certo é que os hospitais têm um custo de manutenção e uma estrutura que não produz mais serviços suficientes para gerar receitas, resultando num déficit grandioso", isto é, a saúde preventiva funcionando esvazia os hospitais.
Há desorganização na distribuição dos leitos e hospitais pelo Estado, além do excesso de profissionais de algumas áreas, como por exemplo os médicos, o que também ocasiona baixa remuneração desses serviços. O documento "Parâmetros para a programação das ações básicas de saúde", baseado em dados da OMS e da Opas, para países em desenvolvimento, recomenda três a quatro leitos de hospital para cada mil habitantes e um médico para cada mil habitantes.
No Estado, temos cerca de três leitos para cada mil habitantes (MS/SE/Datasus), o problema é que esses leitos estão distribuídos em 369 unidades que variam de 10 a 538 leitos (SIH/SUS). Como tornar viável um hospital com 10, 20 ou 30 leitos, se a estrutura e os custos de que necessita talvez sejam os mesmos de um com cem leitos ou mais? Visto assim, é possível concluir que pelo menos 150 desses não tenham condições de operar no modelo atual.
Temos 85% dos leitos na rede privada e apenas 10% na rede pública. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada (CF, Art. 199), que poderá participar do SUS de forma complementar (CF, Art. 199, § 1º). Logo, para que se atenda à Constituição, essa estrutura se deve inverter.
A outra questão é o excesso de profissionais na área médica, por exemplo. Temos no Estado mais de 22 mil médicos, o dobro do número que o mercado é capaz de absorver. Onde gerar receitas para pagar o excesso?
Há problemas a corrigir no SUS, começando pela imposição ao Estado e à União do comprometimento mínimo de receitas para a saúde, como determina a Emenda Constitucional n.º 29. No Estado isso foi objeto de ação civil pública julgada procedente em agosto de 2006.
Depois, é necessário que se imponha não só aos municípios, mas ao Estado e à União, o cumprimento integral das Leis 8.080/90 e 8.142/90, e que os municípios assumam a gestão do sistema, fazendo com que a saúde da população passe a ser realmente prioridade, pois está provado que, onde o SUS funciona como foi previsto legalmente, a população tem saúde.