Poder de Fiscalização, por Sérgio da Costa Franco
Um elucidativo artigo publicado na edição deste domingo, 30 de dezembro, do Jornal Zero Hora, pelo historiador e procurador aposentado Sérgio da Costa Franco traz um pouco da trajetória do Ministério Público. O texto revela algumas das razões pelas quais a Instituição conquistou sua independência, ampliando competências e prerrogativas funcionais.
Leia a seguir o texto na íntegra.
Poder de Fiscalização, por Sérgio da Costa Franco*
Sob este mesmo título, publiquei em 1962, na extinta Revista Jurídica, um artigo em defesa da ampliação da competência e prerrogativas funcionais do Ministério Público no sentido de convertê-lo num quarto poder de Estado, que seria o Poder de Fiscalização. Terminava assim: "Erigido o Ministério Público brasileiro em autônomo Poder de Fiscalização, estaria ele consumando as tendências de sua evolução histórica e preenchendo uma lacuna sensível na atual estrutura do Estado". Jovem promotor de justiça que eu era, em princípio de carreira, minha iniciativa só poderia cair no vácuo das utopias irrealizáveis.
Mal poderia eu imaginar, em 1962, que a Constituição de 1988, se não erigiu explicitamente o Ministério Público num quarto poder de Estado, deu-lhe tal grau de autonomia e de competência, que na prática o converteu num órgão autônomo de vigilância constitucional e de policiamento administrativo. Desde então, o MP vem-se destacando pelos grandes serviços que presta à comunidade, pelo combate que desenvolve contra a corrupção política e administrativa, e pela vigilância efetiva em defesa da legalidade democrática.
Lamentavelmente, parecem existir resistências a essa ampla autonomia, e ainda há pouco se leu uma declaração equivocada da governadora do Estado, a sustentar que a instituição seja um mero órgão do Poder Executivo. Assim foi realmente no passado, quando os procuradores-gerais eram demissíveis ad nutum, os promotores públicos nomeados sem concurso e privados de garantias essenciais à sua independência funcional. Felizmente, o órgão evoluiu para melhor e o promotor deixou de ser um agente dos governos, para tornar-se um agente do Estado e um efetivo fiscal da lei.
Para que as novas gerações façam idéia do que era a triste condição dos promotores públicos ao tempo do primeiro ocupante do Palácio Piratini, o Dr. Borges de Medeiros, permito-me citar dois fatos bastante elucidativos.
Em 1919, feria-se uma eleição para a Presidência da República. O Partido Republicano Rio-Grandense, comandado pelo Dr. Borges, defendia a candidatura oficial do Dr. Epitácio Pessoa, enquanto as oposições esposavam a candidatura de Rui Barbosa. Um dia depois do pleito, chegou a palácio a notícia de que o promotor João Gonçalves Chaves, da comarca de Quaraí, tinha votado no candidato da oposição. A resposta foi imediata: Chaves foi demitido do cargo. E se não fosse a defesa que dele fez o coronel Chico Flores, caudilho daquela área da fronteira, o promotor não teria sido readmitido, como o foi, ao cabo de cinco dias. O chefe local do partido provou que o funcionário não contrariara as ordens do "venerando chefe"...
De 18 de março de 1918 é uma carta, de que possuo cópia, endereçada por Borges de Medeiros ao então promotor de Cruz Alta, Dr. Carlos Silveira Martins Leão, em razão de incidentes que teriam ocorrido entre ele e a chefia local do Partido Republicano: "...recomendo-vos, como correligionário disciplinado que deveis ser, de entreter as melhores relações pessoais e oficiais com o coronel Firmino de Paula Filho, intendente e diretor republicano unipessoal nesse município, cercando-o do devido acatamento e ouvindo-o nas questões que, embora compreendidas na esfera da Justiça, possam afetar de qualquer modo a economia íntima de nossa comunhão política".
As coisas melhoraram muito, depois dessas aberrações. Mas é sempre bom que haja vigilância em relação aos adversários do poder fiscalizador do Ministério Público e aos que desejam vê-lo como simples agente do Pode