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Pedras na colher - Série Meninos do Crack (Portal Social)

Na série “Meninos do Crack”, conheça a história de Antônio. Ele tem trinta e três anos e é encanador. Freqüentou a escola até a 8ª série do ensino fundamental. Fuma crack há treze anos e não passou por internações de reabilitação.
02/06/2010 Atualizada em 21/07/2023 11:02:11
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Na série “Meninos do Crack”, conheça a história de Antônio. Ele tem trinta e três anos e é encanador. Freqüentou a escola até a 8ª série do ensino fundamental. Fuma crack há treze anos e não passou por internações de reabilitação.





Pedras na colher

Não lembro bem a época, porque já faz uma cara. Também, porque parece que tudo teve inicio há pouco tempo, mas já fazem uns treze ou quatorze anos que conheci as pedras.



Tínhamos uma turma de amigos. Nos reuníamos para beber, fazer umas festinhas e cheirar uma cocaína nos finais de semana. Era sempre na casa do mesmo parceiro. Ele morava sozinho, ao contrário do resto de nós. Então, era o melhor lugar para que pudéssemos nos drogar sem medo.



Naquela época, aqui na cidade, o crack era desconhecido. Se escutava falar dessa droga apenas em notícias veiculadas pela televisão e isso acontecia somente nas capitais. Quem diria que o crack ocuparia tamanho espaço no interior do estado...

Um camarada, amigo de um de nós, de Florianópolis, que veio nos apresentar às pedras. Lembro que já tínhamos bebido umas cervejas e aí faríamos o ritual de sempre: cheirar pó, mas aquela noite foi diferente. O catarinense chegou lá, viu que tínhamos uma grande quantidade de pó, e sugeriu que fizéssemos umas pedras.



Aceitamos. Achamos a ideia interessante, porque, como sempre, quando se usa muito tempo a mesma droga, ela já não dá o pauladão que se espera. Nenhum de nós contestou a idéia de fazer as pedras, porque o cara explicou que, se fumássemos ao invés de cheirar, o efeito seria mais rápido. Sendo assim, não deu outra: fizemos as pedras.



A receita foi mais simples que fazer um bolo. Pegamos uma quantidade de pó, a mesma quantidade de bicarbonato de sódio e água. Esses foram os ingredientes. Para o preparo, só precisamos de uma colher, onde colocamos os ingredientes em cima.



Pegamos o isqueiro, botamos embaixo da colher e deixamos até borbulhar. Quando ferveu, colocamos um pouco de água fria para dar um choque térmico. No fim, colocamos um pano em cima, para tirar a umidade, e as pedras estavam prontas para o consumo.



Dizem que as amizades não influenciam em nada, mas, para mim, foi o começo. Se eu não andasse com aquelas pessoas, talvez nunca tivesse me envolvido com drogas.



Comecei com maconha e, quando ia para a noite, o pó virou minha companhia, para ficar ligadão.

Com o crack tudo muda, porque ele passa a dominar a pessoa de uma forma que ninguém explica. A sensação é difícil explicar, porque só quem usa sabe como é. Descrevo que, nos primeiros segundos, é um prazer imenso, mas logo o efeito ilusório vai passando, a língua trava, os olhos ficam grandes e a fisionomia muda completamente. Sem falar nas conseqüências que a pedra te traz. Sempre fui trabalhador honesto e, de repente, comecei a assaltar. Foi tudo muito rápido. Parece que não é a minha história de vida, mas infelizmente é. Fiquei preso três anos, dez meses e vinte e dois dias. Devo isso ao crack.



Têm usuários e usuários, cada um age de uma forma. Têm muitos que pegam cinco reais e correm fumar. Eu não. Sei como é o mecanismo da droga, então, não vou fumar uma pedra. Para quê? Para me fissurar? Eu trabalho. No fim de semana, já separo cinquenta ou cem reais para fumar, porque sou um viciado. Não posso ter dinheiro comigo, porque, se tiver, a primeira coisa que vem na minha mente é usar crack. Por isso, quando recebo, minha mãe fica com uma boa parte, mas sempre tiro uma parte para consumo.

Minha vida poderia ter sido diferente, mas não foi. Me encontro em um beco sem saída, mas ainda consigo levar uma vida normal, pelo meu trabalho.



Este texto faz parte do livro Meninos do Crack, da jornalista Ana Paula Nonnemacher.


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