Gilson Dipp afirma que Judiciário já trabalha para separar suas
Para ministro do STJ, caiu o mito do "juiz intocável"
Para Gilson Dipp, 62, ministro do Superior Tribunal de Justiça, "a corrupção está entranhada nos três Poderes", pois "não existe crime organizado sem participação de um agente público e político". Em entrevista à Folha, Dipp comentou as operações da Polícia Federal, as queixas de abusos, segundo advogados, e as suspeitas que recaem sobre o Judiciário e o Ministério Público.
FOLHA - A procuradora da República Janice Ascari diz que a corrupção está entranhada no Judiciário e no Ministério Público. O sr. concorda?
GILSON DIPP - Infelizmente, a corrupção hoje, no Brasil, como no resto do mundo, não é mais exclusividade de membros do Executivo e do Legislativo. Existe também, pontualmente, no próprio Judiciário e no Ministério Público. A constatação decorre dessas operações da Polícia Federal. Os próprios órgãos estão cortando na carne.
FOLHA - Em que medida o crime organizado está conseguindo se infiltrar no Judiciário?
DIPP - Não existe crime organizado, não só no Brasil, sem a participação de um agente público e político. Àquela declaração de um membro da máfia de Nova York, dizendo que não precisaria mais de pistoleiros, mas de senadores e deputados, poderia se acrescentar, no Brasil, que necessitaria também de juízes e promotores. A corrupção está entranhada nos três Poderes. É uma decorrência.
FOLHA - Por que é tão difícil o Judiciário separar as "maçãs podres"?
DIPP - Nós sempre nos julgávamos, até pouco tempo atrás, intocáveis. Nós temos uma Lei Orgânica da Magistratura Nacional de certa forma superada. Se detectada uma infração administrativa grave contra um magistrado, ele é afastado com aposentadoria compulsória. Havia a sensação de que os juízes eram intocáveis, acima do bem e do mal. Hoje há muitos processos administrativos nos tribunais. O STJ tem vários processos envolvendo desembargadores federais, procuradores da República. Está caindo o mito de que não podemos separar as "maçãs podres".
FOLHA - O sr. gostaria de comentar os fatos mais recentes e as acusações anteriores a ministros do STJ?
DIPP - Os fatos são muito novos, muito recentes. O inquérito está correndo no Supremo Tribunal Federal. É lamentável para um magistrado verificar que, na deflagração de uma operação dessa envergadura, estejam, num primeiro momento, pelo menos, nominados juízes, desembargadores e até um ministro do STJ.
FOLHA - As operações Anaconda, Hurricane e Têmis só atingiram magistrados porque houve uso da escuta telefônica autorizada. Entre juízes, há muita restrição à escuta?
DIPP - Hoje, entre os juízes penais, todos temos a convicção de que o combate ao crime organizado, ao crime praticado por organizações complexas, exige instrumentos comprobatórios que não mais aqueles comuns, como os testemunhos. Hoje, os meios de prova, de certa forma, podem garantir os direitos individuais. Mas nenhuma operação dessas prescinde da escuta telefônica, ou de uma interceptação ambiental, do instituto da delação premiada, tão mal compreendido, e até da infiltração de um agente policial. São meios drásticos, mas necessários para a apuração de crimes complexos. Nossa geração foi voltada para a investigação do crime comum, individual, com meios de prova tradicionais, do Código Penal. Hoje são necessários meios mais sofisticados.
Fonte: Folha de São Paulo