Em 84 dias João Barcelos de Souza Júnior passou de promotor de Justiça a desembargador no TJ
Mal acomodou-se em seu gabinete, na 4ª Câmara Criminal, no dia 15 de agosto de 2011, para desempenhar suas novas funções, como procurador de Justiça, e já começava a fazer as malas novamente. Oitenta e quatro dias depois da posse na Procuradoria, estava de saída para o Tribunal de Justiça. A rápida e insólita passagem pelo cargo, entretanto, é mais um motivo de júbilo para o, agora, desembargador João Barcelos de Souza Júnior.
Mal acomodou-se em seu gabinete, na 4ª Câmara Criminal, no dia 15 de agosto de 2011, para desempenhar suas novas funções, como procurador de Justiça, e já começava a fazer as malas novamente. Oitenta e quatro dias depois da posse na Procuradoria, estava de saída para o Tribunal de Justiça. A rápida e insólita passagem pelo cargo, entretanto, é mais um motivo de júbilo para o, agora, desembargador João Barcelos de Souza Júnior.
Foram 22 anos como promotor de Justiça, até ser indicado para o TJ, na vaga do Ministério Público. Atuando junto à 1ª Câmara Especial Cível desde 7 de novembro, ele preserva vínculos e relações com a Instituição na qual atuou por mais de duas décadas. Segue associado à AMP/RS e valoriza todas as etapas de sua formação profissional. A trajetória é longa, por diferentes áreas do sistema judiciário. Foi oficial-escrevente e oficial de justiça, antes de ser aprovado no concurso para a carreira do Ministério Público, em 1989. “Somos o resultado de uma construção. Se eu abro mão de parte da jornada que fiz para chegar até aqui, estou me desqualificando. Tenho orgulho de ter passado por todos os lugares por onde andei”, resume Barcelos.
Nesta entrevista, o desembargador analisa suas experiências e angústias como agente público. Fala sobre a transição para o TJ e destaca o papel do Ministério Público como peça fundamental na defesa da sociedade.
AMP/RS – O que mudou na sua rotina de trabalho, agora como desembargador?
João Barcelos de Souza Júnior – Existe uma parte que não muda muito e outra que muda bastante. Quando és promotor tens garantias constitucionais pra agir de acordo com a tua consciência. Isso não muda em relação à visão do trabalho. Ao tomares a decisão do que vais fazer como promotor, levas em conta os valores que tu tens, a lei e a maneira como interpretas os valores. Como desembargador, a mesma coisa. Nisso, não muda nada. Mas na formatação do trabalho e a questão de não estares sozinho numa câmara, de estares acompanhado de outros membros, isso te leva a uma certa angústia. Tens que, de certa maneira, mitigar a tua consciência para ver se teu posicionamento vai ter efetividade, já que outros decidem contigo. Muitas vezes, ter uma posição e mantê-la só vai levar ao conflito. Tens de ver até onde é pertinente fixar posição e até onde vais criar apenas mais agravos, recursos e embargos para, no fim das contas, a situação não sair do lugar.
AMP/RS – O que o senhor já aproveitou, na nova função, da bagagem e da experiência que construiu antes de chegar ao TJ?
Barcelos – Diria que tudo. A base é tudo. Eu começo minha carreira como oficial-escrevente, oficial de justiça e depois ingressei no MP. Atuei em Lagoa Vermelha, Barra do Ribeiro, Canoas e Porto Alegre. Fui procurador por cerca de 2 meses, apenas. Antes de ser procurador já tinha vontade de ser desembargador. E o edital para a disputa da vaga para desembargador foi aberto no dia em que tomei posse como procurador. Me habilitei e acabei escolhido.
AMP/RS – O que, na sua avaliação, mais pesou para que o senhor fosse o indicado para a vaga do Ministério Público?
Barcelos – Acredito que a luta dos últimos anos, ainda como promotor, atuando junto ao Tribunal Militar. Creio que essa batalha e as minhas iniciativas para alterar situações que, ao meu ver, precisavam ser mudadas, foram importantes para que eu fosse escolhido para a vaga. Isso, além do fato de eu ter me tornado procurador, o que valoriza muito o currículo de qualquer um.
AMP/RS – Que lembranças o senhor guarda das comarcas por onde passou?
Barcelos – Foram experiências bem diferentes. Lagoa Vermelha tinha uma carga muito elevada de trabalho. Em Barra do Ribeiro, nem tanto, mas me exigiu igualmente, por conta das substituições em outras Promotorias. Foi um começo que me mostrou a dimensão e a responsabilidade do cargo. Em Canoas, tive contato com a Infância e Juventude e com crimes de diferentes tipos. São situações em que vemos, às vezes, a dificuldade em punir alguns crimes.
AMP/RS – O senhor tem uma experiência larga, e por diferentes áreas do sistema judiciário. Como operador do Direito, porém, não se dissocia do cidadão comum. Nesse contexto, é difícil lidar com a impunidade?
Barcelos – Sabe como eu consegui escapar desse embretamento psicológico? Como promotor não sou pago para ter o resultado. Sou pago para buscar a Justiça. Se eu busco a justiça e a Justiça me nega, durmo com a consciência tranqüila. O que não posso é pensar que não vai dar nada, que os criminosos vão acabar protegidos. Promotor não pode pensar assim. Tem de ser incansável, até porque, ainda que partamos de princípio de injustiça para com algumas figuras públicas, uma coisa o MP tem o poder de dar a essas figuras, independentemente da resposta positiva ou não do judiciário, que é atazanar a vida de quem não respeita a sociedade. Disso o promotor não pode abrir mão. As coisas mudam muito devagar. Isso é que deixa o MP forte: atuar nas áreas em que a população está clamando por justiça. O MP tem essa força e esse poder de concentrar o alvo e atuar na área criminal, infância juventude, criminal, ambiental...
AMP/RS – Mas essa é uma questão que vem sendo foco de uma grande polêmica, por conta da PEC 37, que visa restringir a investigação criminal às Polícias Federal e Civis dos Estados e do Distrito Federal. Qual sua opinião sobre o tema?
Barcelos – Jamais pode-se alijar alguém de investigar. É um absurdo haver uma investigação andando e, lá pelas tantas, entra uma autoridade com foro privilegiado e tens de parar com tudo. Ainda que, depois, tu vás distribuir as devidas competências, parar tudo não tem cabimento. Partindo do princípio de que ninguém deve ser protegido em uma investigação, nem eu, não posso achar que só a Polícia Civil deva investigar. Ao mesmo tempo, o MP tem de concentrar suas baterias naquilo que a sociedade está sedenta. Se uma determinada situação sinaliza que se o MP não investigar a questão não avança, evidentemente que a Instituição tem de ingressar no caso. Mas a sociedade não quer que os promotores, que têm equilíbrio de forças, em sua carreira, com os juízes, gastem seu tempo com aquilo que a Polícia Civil é designada pra fazer. A sociedade imagina o promotor perseguindo e pegando o grande corrupto. A PEC 37 é uma reação corporativa por causa da atuação do MP em determinadas investigações. Mas o MP entra na questão dos caça-níqueis porque por trás disso há lavagem de dinheiro, tráfico e outros crimes maiores. MP tem de se fortalecer nas investigações, mas naquelas que tenham peso para a sociedade. Em determinados tipos de crime, não é necessário fundamentar o ingresso do MP na investigação. Há casos que são evidentes os sinais de que a participação da Instituição nas investigações é necessária.
AMP/RS – Mesmo migrando do MP pro Judiciário, o senhor manteve o vínculo com a Associação. Por que e de que forma o senhor segue próximo à Instituição?
Barcelos – São alguns aspectos. Há interesses privados, que me fizeram optar por manter o vínculo de mais de 20 anos com a Associação, paralelamente ao ingresso na Ajuris. Mas eu serei sempre ligado à Instituição do MP. Somos todos colegas, no Estado. Fui oficial-escrevente e nunca deixei de me sentir como um deles. Fui oficial de Justiça e sempre me senti um pouco como tal. Como promotor e procurador, igualmente. Agora, no Judiciário, da mesma forma. Somos o resultado de uma construção. Se eu abro mão de parte da jornada que fiz para chegar até aqui, estou me desqualificando. Tenho orgulho de ter passado por todos os lugares por onde andei.