Após receber prêmio literário, promotora analisa baixo consumo de títulos no Brasil
A Praça da Alfândega, no centro da Capital, respira os ares da 57ª Feira do Livro. Nesse ambiente convidativo ao consumo de obras de todo gênero, milhares de pessoas deverão circular, até o dia 15 de novembro, para acompanhar a ampla programação de estímulo à cultura, que inclui um painel promovido pela AMP/RS, no final da tarde desta quarta-feira (9), cujo tema será Educação. Consumidora contumaz de livros, a promotora de Justiça Angela Dal Pós, de Canoas, experimenta, atualmente, um novo campo: a produção literária. Agraciada no final de outubro com o 3° lugar na categoria Conto do Prêmio Literário Mario Quintana, promovido pelo Sindicato dos Trabalhadores da Justiça Federal do Estado (Sintrajufe/RS), com a obra "Fantasmas e Anjos", ela analisa, nessa entrevista, as circunstâncias que atrasam o desenvolvimento cultural e educacional no país.
Réplica – de que fala o conto Fantasmas e Anjos?
Angela Dal Pós – O texto fala do fluxo de consciência de uma menina pequena que acorda no meio da noite e luta contra seus vários medos, ao mesmo tempo em que perpassa o universo infantil.
Réplica – Desde quando a senhora desenvolve esse vínculo com a literatura e o gosto pela escrita?
Angela – O vínculo com a literatura vem desde cedo, como leitora, sempre fui de devorar tudo que me vinha às mãos. O gosto pela escrita é mais recente. Em 2007, terminei um Mestrado em Ciências Criminais, em que trabalhei o tema do abuso sexual na dissertação. Foi algo muito difícil e desgastante, primeiramente pela dificuldade teórica enfrentada num curso desse nível e depois, pela própria natureza da matéria trabalhada na dissertação. Então senti necessidade de buscar na arte algo mais leve, que me permitisse fugir daquele universo jurídico-teóico, que havia me massacrado durante o mestrado, e foi fazendo uma oficina de crônicas na Feira do Livro, com o Fabrício Carpinejar, que o desejo de escrever se tornou mais intenso e me levou ao Curso De Formação de Escritores e Agentes Literários da Unisinos, onde me formei em 2009, e posteriormente à oficina Literária do escritor Charles Kiefer, que frequento atualmente. Desde lá, não parei mais de escrever.
Réplica – Qual a importância da literatura no cotidiano e na própria percepção de suas funções, como promotora de Justiça?
Angela – A literatura reflete a vida num determinado tempo histórico, ela nos permite refletir e entender o homem e a sociedade, seus medos e dificuldades, suas virtudes. Permite-nos conversar com nosso próprio eu, inspirando respostas mais positivas, o que gera reflexo tanto em nossa vida pessoal como profissional, independentemente da área. Mas o mais interessante da literatura é que ela não dá respostas prontas. Abre um leque de infinitas interpretações, nos pressiona a reflexão e, principalmente, a uma modificação interior. Há um crescimento invisível do leitor que passa pelas situações e agruras dos personagens durante a leitura, tornando-o mais apto a entender e encontrar as respostas para os seus próprios dilemas.
Réplica – O Brasil tem um índice de leitura muito baixo. Como vê a educação sem o hábito, o incentivo a leitura? É possível reverter esse quadro?
Angela – É difícil falarmos em índice de leitura em um país de tantos analfabetos funcionais e que ainda tem muitas pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza. Acho que uma coisa positiva que os últimos governos fizeram foi instituir o programa bolsa família, que melhorou a situação geral da população carente do país. Ler de barriga vazia não dá. Mas é preciso avançar e, saneadas as necessidades básicas, a educação deve ser a próxima área priorizada e com urgência. Já estamos muito atrasados em relação a outros países da América Latina. E esse atraso é histórico. Veja-se que somente após trezentos anos do descobrimento foi possível que livros comessassem a ser impressos no Brasil, pois antes era proibido. Havia um receio de que ideias republicanas circulassem e derrubassem a monarquia. Ainda há um ranso disso, rondando-nos o fantasma da mentalidade de que as massas incultas são mais fáceis de manipular pela classe política e por isso a falta de interesse de investir nessa área. Depois há toda a questão da desvalorização e do desprestígio do professor. Diante deste quadro desolador, não me espantam os baixos índices de leitura. Por outro lado, onde a educação está implementada, percebe-se uma falta de sensibilidade do professor de apresentar o aluno aos grandes clássicos. Geralmente, a literatura é vista pelos alunos como algo chato, pelos quais acabam se submetendo por obrigação. Por certo que a leitura é a base da educação, por onde os alunos poderão ser apresentados aos mais diversos ramos do conhecimento e serão estimulados a questionar. Educação sem incentivo a leitura já é deficitária na origem. Os educadores precisam encontrar o meio adequado a tornar a leitura interessante para os jovens, já que competem com os inúmeros outros estímulos: televisão, internet, celular, redes sociais, etc. Mas antes disso, o papel da família na formação do leitor é fundamental. Pais que não lêem e mandam os filhos lerem, que chance terão de criar no filho o hábito da leitura? Como se vê, o caminho é pedregoso e depende de uma mudança geral de mentalidade, o que perpassa, a meu ver, pela priorização da educação pelos governantes.
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