O promotor como agente político de transformação social
Ao completar 30 anos de existência, a Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP) vem consolidando seu espaço no meio acadêmico. Diante das peculiaridades dessas carreiras e da lacuna entre a formação tradicional oferecida pelas faculdades de Direito e as demandas sociais, a entidade vem, ao longo de sua trajetória, ampliando as áreas de atuação, com foco, especialmente, na capacitação e qualificação dos bacharéis em Direito para o desempenho das funções de promotor de justiça e juiz de direito. Nessa entrevista, o presidente da FMP, Mauro Luís Silva de Souza, faz uma avaliação das três primeiras décadas da Escola e projeta um futuro ainda mais sintonizado com as necessidades da população.
AMP/RS - A Fundação Escola completa 30 anos em 2013. Que avaliação pode ser feita sobre a trajetória da entidade ao longo desse período?
Mauro Luís Silva de Souza - A FMP começa em 1983, com uma perspectiva de formação de bacharéis para concursos do Ministério Público, na medida que as faculdades de Direito mostravam uma certa dificuldade na preparação para as carreiras jurídicas públicas, especialmente promotor de justiça e juiz de direito. A Escola surge como uma oportunidade de capacitação dos bacharéis e também de qualificação dos quadros do MP – promotores e funcionários. A despeito de proliferarem os cursos de bacharelado em Direito, o tipo e formação oferecida pelos cursos era insuficiente para a formação do profissional de Ministério Público. A Escola, já em sua segunda década, é chamada a ofertar cursos de pós-graduação nessas áreas mais focadas do MP, como meio ambiente, infância e juventude, ciências criminais, defesa do consumidor. Na terceira década, percebemos que a lacuna ainda era grande na formação universitária e que havia espaço, até mesmo, para interferirmos mais cedo na formação dos futuros profissionais da área. Nesse momento, a FMP opta por abrir o curso de graduação em Direito. Hoje, a escola tem cursos preparatórios para as carreiras jurídicas e pós-graduações, inclusive fora do Rio Grande do Sul, com representações no Espírito Santo na Bahia e em Mato Grosso, assim como a formação de agentes públicos: vereadores, funcionários, secretarias municipais. O nosso campo de atuação cresceu bastante.
AMP/RS - Quais os principais focos da Escola na preparação e na qualificação dos candidatos à carreira do Ministério Público?
Mauro Souza - O Ministério Público e a Magistratura só admitem para concurso bacharéis em Direito. Entretanto, dificilmente, na formação tradicional das faculdades, eles terão tido, nos cinco anos da graduação, disciplinas como as que ofertamos, entre elas direito ambiental e urbanístico, direito do consumidor, direito da saúde, questões de direitos sociais, sobre os quais há muita demanda. São disciplinas que frequentam os concursos para promotor e para juiz de direito.
AMP/RS - Qual é o papel que essas entidades (escolas do MP) devem cumprir no cenário institucional do Ministério Público brasileiro?
Mauro Souza - As escolas de Ministério Público têm um papel muito importante, na medida em que são os braços acadêmicos da Instituição. É a partir delas que se pode fazer uma reflexão crítica sobre a atuação do MP no cenário nacional. Elas nos permitem ver isso. No Conselho Nacional de Escolas do MP se percebe como essa discussão é forte no sentido de ter uma atuação uníssona em todo o país.
AMP/RS - Qual é o perfil de promotores de justiça que precisa surgir para atuar de acordo com as expectativas da entidade, da Instituição e da sociedade?
Mauro Souza - Hoje, o promotor de justiça não pode mais ser aquele operador tradicional, que tratava com um tipo de justiça já ultrapassado, de somente duas partes. Fulano está mitigando com Beltrano, e o Estado – seja o juiz ou o promotor – vai interferir nessa questão para harmonizar essas partes. Atualmente, os processos não estão mais limitados apenas aos dois mitigantes. Vai muito além disso. Quando se trata de direitos sociais, o MP, como defensor da sociedade, tem de ter esse perfil de negociador de políticas sociais e de proteção social, com políticas macro. A questão individual é importante na medida que nos informa que há toda uma demanda social que não é atendida. É um perfil voltado não só à proteção dos direitos individuais, mas, especialmente, os sociais, de cidadania. O promotor de justiça precisa ter essa dupla formação. Pode estar diante da reclamação de uma só pessoa, mas precisa identificar se ela é restrita a esse autor ou se pode atingir um número indeterminado, que demande uma ação mais abrangente do MP. É preciso ter um perfil de agente político de formação social.
AMP/RS - Como o senhor projeta a FMP no contexto futuro do MP e o que vem sendo feito para alcançar/consolidar esse patamar?
Mauro Souza - A tendência é que a escola seja cada vez mais requisitada para essa função. A formação é crítico-reflexiva. Precisamos entender toda a nossa história e o nosso passado, analisar como atuamos e como a sociedade quer que nós atuemos. Temos de ver como o cidadão precisa da atuação do MP, para, só aí, passarmos a projetar a formação do promotor. Escolas como a nossa são fundamentais para que a gente entenda a relação da sociedade com a Instituição e isso se retroalimente. A escola é esse elo. Ela ouve a comunidade, ouve o MP e devolve à sociedade formação de agentes públicos com a capacidade de atender essas demandas sociais.